Terça, 12 de Novembro de 2024
21°C 31°C
Feira de Santana, BA
Publicidade

Entre bruxas e sacis: como o Halloween reacende questões sobre a identidade cultural brasileira

O Brasil possui um rico folclore, com personagens como a Cuca, o Saci-Pererê e o Curupira. No entanto, essas figuras encontram dificuldades em competir com personagens importados, como bruxas e zumbis.

30/10/2024 às 19h49
Por: Jornalismo
Compartilhe:
Entre bruxas e sacis: como o Halloween reacende questões sobre a identidade cultural brasileira

Na última semana de outubro, uma série de elementos ligados ao Halloween - como abóboras, fantasmas e decorações sombrias - ganha força em lojas, escolas e nas redes sociais no Brasil. Para além de uma mera festividade divertida, o sucesso do Halloween no país destaca aspectos culturais e históricos, os quais, como explica o doutor em História Comparada e professor da Estácio, Rodrigo Rainha, refletem uma complexa relação de poder e influência cultural entre nações.

Desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil, como muitos países, foi progressivamente influenciado por elementos da cultura norte-americana. O professor Rodrigo Rainha pontua que, com a disputa entre potências mundiais após 1945, a hegemonia cultural dos Estados Unidos acabou se enraizando globalmente, gerando uma intensa circulação de produtos e práticas. “Datas comemorativas, como o próprio Halloween, e até formas de comemorar o Natal e aniversários, tomaram formatos distintos no Brasil em comparação ao passado”, afirma Rainha, ilustrando a assimilação cultural promovida pela influência norte-americana.

A massiva penetração desses elementos estrangeiros, para Rainha, é uma forma de "dominação cultural", onde um modelo externo é absorvido em detrimento das tradições locais. Ele alerta que, em muitos casos, o Halloween no Brasil atua como um "apagamento" do folclore nacional. No entanto, o professor pondera que essa apropriação não deve ser vista de maneira simplista: “Se essas misturas servem para refletirmos sobre trocas culturais e pontos de encontro, ótimo. Mas, se resultarem em uma fragilização da nossa própria identidade, como disse Nelson Rodrigues, caímos no ‘complexo de vira-lata’".

Por que não conquistamos o mesmo espaço?

O Brasil possui um rico folclore, com personagens como a Cuca, o Saci-Pererê e o Curupira. No entanto, essas figuras encontram dificuldades em competir com personagens importados, como bruxas e zumbis. Para Rodrigo Rainha, essa realidade é fruto de um "processo histórico de negação do brasileiro". Durante décadas, elementos culturais locais, como o samba e o cinema nacional, foram subestimados e até mesmo ridicularizados. “Ainda hoje, é comum ouvirmos que a indústria cultural nacional não presta. Esse é um reflexo de uma postura de desvalorização do que é nosso, vista com frequência nas críticas ao cinema e à música brasileira”, diz o professor.

Rainha argumenta que, embora o folclore brasileiro tenha raízes profundas e significativas, ele é muitas vezes considerado "atrasado" em comparação com elementos externos, que recebem uma aceitação quase automática. Assim, enquanto personagens como o Saci e o Curupira trazem um imaginário local, acabam eclipsados pela influência cultural dos Estados Unidos.

Outro ponto destacado por Rainha é o papel das escolas e da mídia na popularização do Halloween. A utilização de livros e cursos de inglês, onde datas como o Halloween são abordadas, despertou a curiosidade das crianças e as inseriu nesse universo desde cedo. “As crianças veem as imagens de Halloween e se interessam, e isso se soma à própria mídia, que divulga essas datas, criando um círculo que ajuda na expansão da data no Brasil”, pontua o professor.

Além disso, a comercialização do Halloween e o incentivo das grandes empresas à data colaboram para seu sucesso, fortalecendo uma representação estrangeira que raramente acontece com o folclore nacional. Rodrigo Rainha vê nisso um padrão preocupante de "substituição cultural", onde expressões locais são trocadas ou esquecidas, passando a ser vistas como menos relevantes ou atraentes.

Reflexão crítica e revalorização do folclore

Embora não critique diretamente a comemoração do Halloween, Rainha enfatiza a necessidade de um olhar crítico: “A questão não é proibir a celebração do Halloween, mas aproveitar a ocasião para refletir sobre nossas trocas culturais e sobre como mantemos vivos nossos próprios mitos e lendas”. Ele sugere que o folclore brasileiro também poderia ser revitalizado com a mesma atenção e cuidado dedicados às festividades importadas.

Com um olhar atento, é possível reconhecer o valor dos elementos culturais locais e compreender como eles moldam nossa identidade. Rainha cita o exemplo do cantor Raul Seixas, que explorava em sua música influências do rock norte-americano e da música nordestina brasileira. Em sua visão, existe um "diálogo possível" entre culturas, mas é essencial que esse diálogo não apague nossas raízes, e sim as enriqueça.

Para Rodrigo Rainha, o segredo está em celebrar a diversidade com uma postura de resistência: “Nosso folclore é vivo e reflete quem somos. Por isso, é fundamental manter um olhar crítico e valorizar aquilo que constitui a nossa cultura. Afinal, apenas quando reconhecemos e preservamos nossas próprias histórias é que podemos realmente celebrar o encontro com o outro”.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Feira de Santana, BA
32°
Tempo nublado

Mín. 21° Máx. 31°

32° Sensação
2.38km/h Vento
40% Umidade
39% (0.29mm) Chance de chuva
05h00 Nascer do sol
05h39 Pôr do sol
Qua 31° 21°
Qui 33° 20°
Sex 32° 21°
Sáb 31° 19°
Dom 30° 20°
Atualizado às 14h02
Economia
Dólar
R$ 5,77 +0,19%
Euro
R$ 6,12 -0,24%
Peso Argentino
R$ 0,01 -0,32%
Bitcoin
R$ 543,787,19 +0,65%
Ibovespa
127,685,21 pts -0.15%
Publicidade
Publicidade
Lenium - Criar site de notícias